domingo, 30 de novembro de 2008

Ceifeira

Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anônima viuvez,


Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.


Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões pra cantar que a vida.


Ah, canta, canta sem razão !
O que em mim sente 'stá pensando.
Derrama no meu coração
A tua incerta voz ondeando !


Ah, poder ser tu, sendo eu !
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso ! Ó céu !
Ó campo ! Ó canção ! A ciência


Pesa tanto e a vida é tão breve !
Entrai por mim dentro !
Tornai Minha alma a vossa sombra leve !
Depois, levando-me, passai !


F.P.

1 pózinho(s):

febo disse...

É um dos poemas mais tristes do F.P. que já li, apesar do poema falar de uma pessoa alegre, cheia de vida e rigor.
Acho-o triste pela incapacidade do autor em nao conseguir viver essa alegria que tanto inveja à ceifeira. Ela tem todas as razões para viver, ele tem todos os motivos para a invejar.